Análise profunda da liberdade, causalidade e o destino de guts em berserk
Uma reinterpretação da jornada de Guts e Griffith sob a ótica do livre arbítrio versus o ciclo da causalidade no mangá Berserk.
A dinâmica entre herói, vilão e a massa social frequentemente se resume a conflitos de poder e moralidade. No universo de Berserk, essa dicotomia ganha novas camadas ao ser analisada sob a influência da Causalidade, o motor determinista do mundo criado por Kentaro Miura. Uma interpretação sugere que o verdadeiro heroísmo reside na capacidade de suportar o ódio alheio e definir o próprio caminho, transcendendo a simples dicotomia entre o Bem e o Mal.
O herói preso ao ciclo
Um herói, essencialmente, é aquele que age, não aquele sobre o qual se age. Ele não se submete às leis ou ao caos, mas simplesmente é, forjando sua própria existência. Guts, o protagonista, inicialmente parece não se encaixar nesse molde. Ele emergiu sem um sonho ou ambição clara; ele apenas lutava, reagindo aos eventos que lhe eram impostos. Dessa forma, ele permaneceu enraizado no ciclo da Causalidade, um fator que o levou a se juntar ao Bando do Falcão e, fatalmente, a sua separação traumática dele.
A sobrevivência de Guts no Eclipse, apesar de ser um evento predestinado pela Causalidade, só foi garantida por um despertar reativo: sua busca contínua pela razão de lutar. Quando deixou o Bando do Falcão, mesmo sem um objetivo definido, ele redescobriu o prazer em manejar a espada. Ao reencontrar Casca e seus companheiros, ele percebeu que seu verdadeiro sonho era tangível: possuir laços concretos com aqueles que lhe eram caros.
Griffith: O produto da determinação inescapável
Em contraste, Griffith representa a manifestação extrema da Causalidade. Sua trajetória até se tornar Femto é vista como um produto quase biológico de sua linhagem e genética, moldado para realizar um desejo específico. Ele é salvo repetidamente por artefatos da Causalidade (como o Behelit), culminando na escolha forçada do Sacrifício para concretizar seu sonho palpável: um reino tangível.
O primeiro ato genuinamente livre de Guts, aquele em que ele age sem ser meramente reativo, ocorre quando sua amizade interfere no sonho de Griffith, iniciando sutilmente a queda do líder. Contudo, Griffith, confrontado com essa interferência, nega a responsabilidade, alegando ter sido compelido por forças externas, incapaz de aceitar que, no momento em que sua jornada determinista foi tocada por algo não causal, ele se recusou a assumir o ônus de suas escolhas.
A perseguição da Causalidade e a busca pela genuinidade
Após o Eclipse, Guts se torna um homem livre, sem destino predeterminado. Irônico, ele passa a perseguir ativamente os efeitos da Causalidade para satisfazer seu desejo de vingança. Ele se permite ser guiado pela reatividade, sacrificando moralidade, corpo e mente em prol de um objetivo tão abstrato quanto a humilhação ou a queda de seus inimigos, o que demonstra um desejo subconsciente de ser reconhecido ou confrontado pelas entidades superiores.
Este ciclo se rompe novamente quando Guts prioriza a cura de Casca. Ele começa a forjar ativamente um caminho separado do destino imposto, transformando seu sonho em algo novamente tangível: o bem-estar da mulher que ama. A conquista desse sonho é abruptamente roubada por Griffith, o que leva Guts ao seu ponto mais baixo.
A natureza destrutiva de sonhos puramente tangíveis fica evidente quando são retirados. O artigo interpretativo sugere que a verdadeira libertação e paz interior para Guts residem em reorientar-se para um propósito intangível, superior, desvinculado das reações do mundo externo. Se Guts pudesse desvencilhar-se da raiva, focando no crescimento interno, ele estaria finalmente agindo, e não apenas reagindo à figura de Griffith.
Ao forjar um caminho puramente individual, Griffith perderia a maior parte de seu poder sobre ele. A liberdade final poderia não ser a ausência de medo ou a vontade de morrer, mas sim a desvinculação do sofrimento causado pela perda de entes queridos e bens mundanos. Contudo, isso levanta um dilema moral: aceitar o mundo como ele é e focar no eu, significaria ignorar o mal iminente, algo que o Guts visto no arco do Espadachim Negro rejeita, afirmando que a força determina a liberdade.
A esperança reside em uma evolução onde Guts consiga, paradoxalmente, abraçar a empatia e proteger os fracos sem se ancorar na necessidade de vingança, atuando como um verdadeiro baluarte de proteção, invertendo o niilismo do seu período inicial. A narrativa atual oferece um espaço precioso para Guts se curar e redefinir o que significa ser livre, não apenas lutando contra o destino, mas construindo um futuro genuinamente próprio.
Analista de Mangá Shounen
Especializado em análise aprofundada de mangás de ação e batalhas (shounen), com foco em narrativas complexas, desenvolvimento de enredo e teorias de fãs. Experiência em desconstrução de arcos narrativos e especulações baseadas em detalhes canônicos.