A carga das expectativas: Uma análise da dualidade guts e griffith em golden arc
A tragédia de Griffith pode ser vista não apenas como um ato de traição, mas como o resultado insustentável das expectativas depositadas nele.
A narrativa complexa de Berserk, especialmente no arco Golden Arc, frequentemente centra-se na dualidade entre Guts e Griffith. Contudo, uma camada mais profunda dessa relação reside no peso esmagador das expectativas que cada um carrega, ou que não carrega, respectivamente.
Enquanto Guts sempre foi visto como alguém sem grande destino, constantemente subestimado, Griffith era o polo oposto: ele era a personificação dos sonhos e das esperanças de todos ao seu redor. Para cada membro do Bando do Falcão, Griffith não era apenas um líder militar brilhante; ele era a materialização de um futuro grandioso.
O fardo de ser mais que humano
O sonho de Griffith, de ascender ao seu próprio reino, tornava-se o alicerce sobre o qual todos os outros construíam suas visões de mundo. Essa colossal carga de responsabilidade transformava sua ambição em algo além de um desejo pessoal; era uma promessa coletiva. Em contraste, Guts, ao se aproximar de Griffith, não carregava expectativas semelhantes. Ele era o único que via Griffith sem o verniz de bravata e fachada.
Essa diferença crucial se manifesta em momentos de vulnerabilidade. Quando questionado por Guts sobre ser uma pessoa terrível, Griffith busca uma validação que Guts se recusa a dar por não se importar com a imagem pública do líder. O espanto de Guts diante da hesitação de Griffith contrasta com a reação de outros, como Casca, que ficavam abalados ao vislumbrar a fragilidade por trás da máscara. Guts, simplesmente, não esperava a perfeição.
Quando o sonho encontra a humanidade
A famosa declaração de Griffith a Guts, “Você foi o único que me fez esquecer meu sonho”, transcende a mera descrição de um afeto reprimido. Ela sugere que a presença de Guts trouxe à tona a possibilidade de uma vida diferente, uma existência mais humana, onde um futuro com Casca e uma vida modesta poderiam ter sido reais. O desejo por essa humanidade, contudo, era um luxo que o peso de ser o salvador e o visionário não permitia.
A transformação de Griffith em um ser monstruoso é, segundo essa ótica interpretativa, uma consequência direta da impossibilidade de atender a essas exigências elevadas. Tantas vidas foram sacrificadas em prol de seu ideal que ele deixou de ser meramente um homem capaz de falhar para se tonar um símbolo que não podia cair.
O choque da realidade pós-tortura
O auge dessa análise recai sobre o período após o cativeiro de Griffith. Mesmo após um ano de tortura excruciante, a expectativa permanecia onipresente. Tanto os membros do Bando do Falcão quanto, surpreendentemente, o próprio Guts esperavam que seu líder se recuperasse de alguma forma, mantendo sua aura quase divina. Muitos leitores compartilhavam dessa surpresa ao confrontar a debilidade física de Griffith.
O momento em que Casca e Guts finalmente o encontram não é descrito por alívio ou alegria, mas por repulsa, choque e fúria diante de sua forma desfigurada. Para Griffith, essa reação foi mais devastadora que a própria prisão. Ele percebeu, naquele instante, que a expectativa sobre ele era tão irredutível que sua própria humanidade, manifestada em sua dor e fraqueza, era inaceitável para aqueles que dependiam de sua imagem de invencibilidade. O horror final não foi sua queda, mas a constatação de que ele nunca foi visto como humano.
Analista de Mangá Shounen
Especializado em análise aprofundada de mangás de ação e batalhas (shounen), com foco em narrativas complexas, desenvolvimento de enredo e teorias de fãs. Experiência em desconstrução de arcos narrativos e especulações baseadas em detalhes canônicos.