A complexidade de killua zoldyck: A escrita de gênero e a percepção das vulnerabilidades femininas em shounen

A profundidade dos personagens secundários em animes de longa duração, como Hunter x Hunter, frequentemente suscita debates sobre a escrita de seus arcos narrativos. Recentemente, a discussão focou em Killua Zoldyck, o deuteragonista da série, e como seu complexo desenvolvimento seria percebido se ele fosse uma personagem feminina. Esta exploração toca em um ponto sensível sobre como as convenções de gênero influenciam a crítica de personagens no universo dos shounen.

Killua já exibe características que, tradicionalmente, são mais associadas a personagens femininas em narrativas japonesas. Isso inclui um passado de controle familiar opressor, uma forte dependência emocional crescente em relação ao protagonista (Gon), momentos de vulnerabilidade explícita, como o choro e a preocupação intensa, e até mesmo uma dinâmica de “tsundere” em certos momentos. O desejo explícito dele de proteger sua irmã mais nova, Alluka, reforça ainda mais essa camada de sensibilidade e afeto.

A questão da duplicação de estereótipos

O cerne da questão reside na interpretação da audiência. Se Killua fosse uma garota, os críticos e o público em geral ainda a considerariam um exemplo de desenvolvimento bem escrito, ou suas inseguranças e sua dependência emocional de Gon seriam instantaneamente rotuladas como estereótipos femininos previsíveis?

Essa linha de pensamento sugere que certas vulnerabilidades são aceitas e elogiadas quando apresentadas em um homem na demografia shounen, mas podem ser vistas como fracas ou clichês quando apresentadas em personagens femininas, seguindo padrões observados em figuras como Hinata Hyuga ou Mikasa Ackerman, cujos desenvolvimentos são, por vezes, ofuscados por sua ligação central com o protagonista masculino.

É inegável que Yoshihiro Togashi, criador de Hunter x Hunter, construiu um personagem multifacetado e profundamente escrito. A habilidade de Killua em superar traumas assassinoss e encontrar sua própria vontade é um ponto alto da obra. No entanto, a análise propõe um exercício mental: será que a excelência da escrita de Killua brilharia com o mesmo impacto sob uma ótica de gênero diferente?

A resposta a essa indagação revela muito sobre as expectativas narrativas impostas a personagens masculinos e femininos dentro do gênero de ação. A complexidade em aceitar a vulnerabilidade masculina, que Killua personifica, permite que suas emoções sejam vistas como universais e conquistas pessoais dramáticas. Mudar o gênero exigiria que a escrita mantivesse o mesmo nível de nuance para evitar que essas mesmas características fossem reduzidas a meros traços estereotipados, algo que historicamente tem sido um desafio para a indústria.

Este debate destaca a força do personagem Killua, independentemente da sua identidade de gênero, mas também lança luz sobre a forma como a narrativa molda a recepção de traços emocionais e psicológicos no entretenimento japonês.