A evolução temática em berserk: A transição da fonte do mal da humanidade para o horror astral

A obra épica de Kentaro Miura, Berserk, é amplamente reconhecida por explorar as profundezas da maldade humana e as consequências catastróficas da ambição e do desejo. Inicialmente, o horror apresentado na série era intrinsecamente ligado à corrupção da alma humana, materializada na forma dos Apóstolos e outras entidades moldadas pelo sacrifício e pela interferência da Ideia do Mal, uma força que orquestra a causalidade.

Até certo ponto da narrativa, mesmo diante de criaturas monstruosas, a realização subjacente era que a origem de todo sofrimento residia na falha moral humana. Os inimigos eram, em sua essência, homens e mulheres que escolheram a escuridão, perdendo sua humanidade no processo. Essa fundação temática oferecia um comentário social e filosófico poderoso sobre a natureza do mal.

A incursão no mundo astral e a nova face do horror

Contudo, um ponto de inflexão notável no desenvolvimento da trama parece ocorrer com a introdução mais proeminente dos verdadeiros habitantes do mundo astral, como os trolls. A irrupção dessas entidades, que não nasceram de uma transformação humana consciente ou de uma barganha direta com o mal estabelecido, sugere uma expansão do escopo ontológico da série.

Essas novas criaturas, embora dependentes da projeção de sonhos e ideias humanas para sua existência física no mundo material, não são apresentadas como seres humanos caídos. Elas funcionam mais como uma força da natureza maligna, destituída de intenção humana ou consciência perversa no sentido tradicional que definia os Apóstolos. Quando atacam uma aldeia, por exemplo, seu ato destrutivo parece ser menos um crime moral e mais uma manifestação primária e irracional da escuridão.

O contraste entre pecado humano e força cósmica

Essa transição gerou uma reflexão sobre a assinatura temática da obra. O trauma inicial de Berserk vinha da traição e da escolha deliberada do mal por indivíduos próximos a Guts e sua companhia. O sofrimento era pessoal e nascido da corrupção interna.

Com os seres astrais, o horror se torna mais onipresente e menos pessoalmente condenável, embora igualmente devastador. Torna-se a ideia de que o mundo está infestado por males que existem independentemente da vontade humana, diferentemente dos Apóstolos, que sempre serviram como um espelho distorcido do que a humanidade pode se tornar. Essa dualidade no universo narrativo adiciona uma camada de complexidade, onde a luta não é apenas contra o mal que nasce de dentro, mas também contra o mal que simplesmente é.