O paradoxo do livre arbítrio e do determinismo: A ambiguidade da vontade dos apóstolos em berserk
Interações cruciais na saga Berserk levantam dúvidas profundas sobre a natureza da vontade, especialmente após a ascensão à apóstolos.
A obra de Kentaro Miura, Berserk, estabeleceu há muito tempo o determinismo cósmico como um tema central de sua narrativa sombria. O ciclo da causalidade, orquestrado por forças além do entendimento humano, parece ditar o destino para muitos personagens. No entanto, a resistência de protagonistas como Guts e, surpreendentemente, certas declarações de figuras vilanescas, introduzem uma tensão filosófica complexa sobre o conceito de livre arbítrio.
Um ponto de inflexão notável na saga ocorre durante o confronto que envolve Zodd, o Imortal, o qual intervém em um momento crítico, resultando na morte de Wyald, um dos membros da Mão de Deus. Durante este episódio, a natureza da transformação em apóstolo e as regras impostas aos escolhidos ressurgem no diálogo.
A regra: "Faça o que desejar"
Wyald, ao ser confrontado, revela a máxima que lhe foi comunicada ao se tornar um apóstolo: “Faça o que desejar”. O que torna esta afirmação intrigante é a subsequente confirmação tácita ou explícita de Zodd. Zodd, que possui uma presença imponente e um longo histórico de observação dos eventos cósmicos, não refuta a ideia de que a transformação concede a liberdade de escolha. Pelo contrário, ele demonstra ter agido por vontade própria em diversos momentos, como ao decidir não interferir em Griffith antes do Eclipse, e, recentemente, ao escolher deliberadamente impedir Wyald de atacar Griffith naquele instante específico.
A implicação direta disso é que Zodd não está meramente seguindo um roteiro pré-escrito; ele está escolhendo cumprir certos aspectos da profecia ou servir a um propósito maior por sua própria deliberação. Se Zodd optou por poupar Griffith no passado e optou por eliminar Wyald no presente, isto sugere que ele mantém uma autonomia significativa dentro do escopo do destino
O dilema da negação
Esta linha de raciocínio instiga uma questão crucial para a compreensão do universo de Berserk. Se os apóstolos realmente recebem livre arbítrio como parte de sua transformação, por que essa liberdade é concedida a eles especificamente? Seria um presente ou uma ironia cruel dentro da estrutura determinista estabelecida?
Alternativamente, se a afirmação for falsa, surge outro mistério narrativo. Por que Zodd, um ser que parece operar em um nível superior de conhecimento cósmico, optaria por mentir para Wyald momentos antes de executá-lo? Explicar que não há escolha, que tudo é destino, seria mais direto e alinhado com a narrativa de predestinação predominante. A decisão de confirmar a liberdade de Wyald, ou de não desmenti-la, sugere que a verdade pode ser mais matizada do que a dicotomia simples entre destino e escolha.
Essa dualidade, entre a promessa de autonomia concedida e a aparente força esmagadora da causalidade, reside no cerne da tensão dramática da obra. A posição de Miura sobre a existência do livre arbítrio versus o determinismo permanece um campo fértil para análise, especialmente ao observar como personagens como Guts constantemente batalham contra o que parece ser um caminho rigidamente preordenado pelas entidades superiores, insistindo em forjar seu próprio caminho através da força de vontade pura.
Analista de Mangá Shounen
Especializado em análise aprofundada de mangás de ação e batalhas (shounen), com foco em narrativas complexas, desenvolvimento de enredo e teorias de fãs. Experiência em desconstrução de arcos narrativos e especulações baseadas em detalhes canônicos.