A transição temática de berserk: Como a saga millennium empire introduziu o mito na realidade de guts
A saga Millennium Empire marca uma mudança radical em Berserk, focando na irrupção do metafísico na vida de Guts.
A narrativa de Berserk, criação icônica de Kentaro Miura, é estruturada por arcos temáticos distintos que, embora centrados na figura trágica de Guts, o espadachim negro, evoluem profundamente em escopo e foco. Os estágios iniciais, como o Arco da Espada Negra e o Arco da Era de Ouro, são profundamente centrados no humanismo, na moralidade e na luta existencial de seu protagonista. A Era de Ouro, em particular, funcionou como uma exploração intensa do caráter moral de Guts, seus sacrifícios e as consequências devastadoras de suas escolhas.
Essa jornada introspectiva atinge seu pico na fase de Convicção, onde o peso da agonia pessoal e a espiral existencial são maximizados. Contudo, a série orquestra uma mudança sísmica de direção com a introdução do Arco do Império de Millennium (Millennium Falcon Arc). Este segmento narrativo propositalmente desvia o holofote da vingança puramente pessoal para abraçar o metafísico e o mítico, forçando a história a encarar a cosmologia oculta do universo de Berserk.
A incursão do mito no ordinário
O Império de Millennium é o ponto onde as verdades ocultas, os males sobrenaturais que existiam nas sombras da realidade, começam a emergir de maneira inegável para a população geral do mundo ficcional. Esta transição representa uma escalada de ameaça que transcende a mera sobrevivência de Guts; trata-se da dissolução da estrutura mundana sob o peso do horror cósmico.
Tal mudança constrói-se sobre o trauma anterior de Guts, mas o amplia. Se antes o sofrimento era medido em sangue, dor física e escolha humana, agora ele é medido pela aceitação forçada de que o mundo não é rege-se apenas por leis naturais ou políticas humanas. A culminação desta fase, a Fantasia de Griffith, não é apenas um evento de confronto, mas a materialização dessa nova realidade mítica no palco principal.
O reposicionamento de Guts como personagem
Um aspecto crucial desta fase analítica é o reposicionamento do próprio Guts na estrutura narrativa da obra. Observa-se que, durante o Arco do Império de Millennium, Guts, em certa medida, assume um papel mais reativo ou periférico em partes da trama estendida. Seu ápice de arco pessoal, o período de maior definição de seu caráter e luta interna, ocorre aproximadamente no meio desta transição, antes que a narrativa global assuma precedência por um tempo.
Isso sugere uma progressão artística onde o autor explora o impacto devastador de um personagem tão marcado pela dualidade entre o humano e o monstruoso sobre a estrutura social e metafísica do mundo. A jornada de Guts, que era o eixo central, permite que a história se expanda para explicar o que ele está enfrentando em termos de forças universais, e não apenas como ele irá derrotá-las pessoalmente. A história se torna maior que o herói, algo que só pode ser plenamente explorado quando o véu da realidade é rompido, como visto na dimensão que o esforço de Griffith estabeleceu, algo que ecoa temas filosóficos debatidos em existencialismo e cosmologia.