A complexa visão de berserk sobre a moralidade de rebanho e escravo
A obra de Kentaro Miura explora profundas questões éticas através do conflito entre submissão e individualidade.
A saga Berserk, criada pelo falecido Kentaro Miura, transcende o gênero fantasia sombria ao mergulhar em dilemas filosóficos complexos, sendo um dos temas mais revisitados a sua análise da moralidade de rebanho e escravo, conceitos que moldam a experiência de seus personagens e do mundo que habitam.
A premissa central gira em torno da luta pela liberdade individual contra forças esmagadoras de conformidade e destino. A moralidade de rebanho simboliza a tendência humana de seguir cegamente uma autoridade ou a maioria, sacrificando o julgamento próprio em prol da segurança ou aceitação social. Em Berserk, essa postura é frequentemente retratada como uma forma de covardia existencial, onde os indivíduos preferem a ilusão de ordem oferecida por um sistema opressor a encarar a dura realidade.
A Tirania da Conformidade
Observa-se que muitos personagens secundários, e até mesmo alguns centrais em momentos de fraqueza, sucumbem à tentação de pertencer a um grupo coeso, mesmo que esse grupo seja destrutivo. Esta adesão passiva é o combustível para as atrocidades cometidas por entidades como a Mão de Deus e seus apóstolos, que se alimentam precisamente da fraqueza moral dos que renunciam ao seu livre arbítrio. A massa, desesperada por um sentido ou um líder para ditar o caminho, torna-se involuntariamente cúmplice de sua própria subjugação.
O Peso da Escravidão Moral
Em contraste direto, a moralidade do escravo, frequentemente associada a figuras como Guts em seus momentos mais sombrios, levanta uma questão diferente: o que resta da identidade quando o indivíduo é reduzido a reagir puramente a estímulos externos, sejam eles dor, vingança ou a necessidade de sobrevivência?
Enquanto o escravo do rebanho é aquele que escolhe a submissão, o escravo da reação é aquele preso a um ciclo inescapável, muitas vezes imposto por traumas anteriores. Berserk demonstra que ambas as formas de aprisionamento são igualmente letais para a alma. A diferença crucial reside na consciência: o indivíduo percebe sua condição, mesmo que não consiga escapar dela imediatamente.
A jornada de Guts, o protagonista, é um estudo de caso sobre a ruptura com essas amarras. Sua recusa incessante em se curvar a qualquer forma de autoridade tirânica ou a aceitar o papel de vítima é o contraponto filosófico à passividade generalizada. Ele encarna a vontade brutal de autodeterminação, mesmo que isso signifique viver à margem da sociedade e enfrentar a condenação eterna.
A obra de Miura, portanto, não oferece respostas fáceis sobre o que é moralmente correto. Ao invés disso, força o leitor a confrontar a fragilidade da ética humana sob pressão extrema, questionando se é mais nobre perecer lutando por autonomia ou sobreviver em paz dentro de uma gaiola dourada de convenções sociais. A complexidade reside em mostrar que a verdadeira batalha não é contra monstros externos, mas sim contra a disposição interna de se render à facilidade da obediência.
Analista de Mangá Shounen
Especializado em análise aprofundada de mangás de ação e batalhas (shounen), com foco em narrativas complexas, desenvolvimento de enredo e teorias de fãs. Experiência em desconstrução de arcos narrativos e especulações baseadas em detalhes canônicos.